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segunda-feira, 5 de maio de 2025

Cesário Visto pelos Outros Poetas

 

Quis dizer o mais claro e o mais corrente Em fala chã e em lúcida esquadria Ser e dizer na justa luz do dia Falar claro falar limpo falar rente Porém nas roucas ruas da cidade A nítida pupila se alucina Cães se miram no vidro da retina E ele vai naufragando como um barco Amou vinhas e searas campinas Horizontes honestos e lavados Mas bebeu a cidade a longos tragos Deambulou por praças por esquinas Fugiu da peste e da melancolia Livre se quis e não servo dos fados Diurno se quis - porém a luzidia Noite assombrou os olhos dilatados Refletindo o tremor da luz nas margens Entre ruelas vê-se ao fundo o rio Ele o viu com seus olhos de navio Atentos à surpresa das imagens
Fernando Pessoa (heterónimo Alberto Caeiro)

Ao entardecer, debruçado pela janela,

E sabendo de soslaio que há campos em frente.

Leio até me arderem os olhos

O livro de Cesário Verde.

 

Que pena que tenho dele! Ele era um camponês

Que andava preso em liberdade pela cidade.

Mas o modo como olhava para as casas,

E o modo como reparava nas ruas,

E a maneira como dava pelas coisas,

É o de quem olha para árvores,

E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando

E anda a reparar nas flores que há pelos campos...

 

Por isso ele tinha aquela grande tristeza

Que ele nunca disse bem que tinha,

Mas andava na cidade como quem anda no campo

E triste como esmagar flores em livros

E pôr plantas em jarros...